Deflagrada em 21 de agosto de 2024, a Operação Fames-19 expôs um esquema de desvio de recursos públicos na compra de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19. A ação da Polícia Federal (PF) trouxe à tona irregularidades em contratos emergenciais e conexões suspeitas envolvendo empresários, autoridades públicas e o crime organizado.
A operação investiga contratos emergenciais, no valor de quase R$5 milhões, para aquisição de 1,6 milhão de cestas básicas, realizadas sem licitação sob decreto estadual de emergência. As investigações apontam que apenas parte dos produtos foi efetivamente entregue, enquanto o valor total foi pago às empresas contratadas.
Entre os alvos da operação estão o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), seus filhos, Léo Barbosa (deputado estadual) e Rérison Castro (superintendente do Sebrae Tocantins), além da primeira-dama e secretária extraordinária de participação social, Karynne Sotero. Empresários como Joseph Madeira, presidente da Associação Comercial e Industrial de Palmas (Acipa), também está entre os investigados. Ele foi preso no dia 21 de agosto, por ter se recusado a entregar seu celular para a PF.
A operação, autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), apontou indícios de fraudes em processos de contratação emergencial, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. A investigação é um desdobramento da Operação Phoenix, realizada em 2022 pela Polícia Civil do Tocantins, que já havia identificado irregularidades semelhantes na compra de cestas básicas.
Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em 42 endereços, incluindo o Palácio Araguaia e a residência do governador Wanderlei Barbosa. No gabinete do governador, a Polícia Federal encontrou R$32,2 mil em espécie, enquanto na casa dele foram apreendidos R$35,5 mil, 80 euros e 1.100 dólares. Além do dinheiro, os agentes localizaram diversos boletos de contas pagas em lotérica e junto ao dinheiro carimbos com os nomes do governador e de seu chefe de gabinete.
As investigações revelaram que empresas supostamente de fachada, ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa paulista, como a VB Inter Holding e a 4TPag, receberam e transferiram valores no esquema de desvio. Essas empresas, cadastradas em Palmas e operadas pela fintech 4TBank, teriam movimentado mais de R$8 bilhões em cinco anos, segundo a Polícia Civil de São Paulo.
O empresário Welber Guedes, apontado como operador do esquema, teria transferido mais de R$615 mil para a 4TPag e recebido depósitos de R$165 mil da VB Inter Holding. Ele também é acusado de realizar transferências para o governador e seus filhos sob o título de “consórcio entre amigos”.
Além disso, a polícia identificou que empresas de fachada usavam nomes de estabelecimentos reais de Palmas, como um restaurante de comida japonesa para ocultar suas operações ilícitas.
Logo após o início da operação, o chefe de gabinete do governador, Marcos Martins Camilo, e outros servidores comissionados foram exonerados. Embora as exonerações tenham sido justificadas oficialmente como “a pedido”, a proximidade com a operação gera dúvidas sobre uma possível relação com os desdobramentos do caso.
O afastamento de Camilo foi publicado no Diário Oficial do dia 22 de agosto, que consta que a exoneração ocorreu a pedido. A mesma edição do Diário traz também as exonerações de Tiago da Silva Costa, Layane de Sousa Silva, Taciano Darcles Santana Souza, Warks Márcio Ribeiro de Souza, Nelsifran Sousa Lins, e Gilson Sousa Silva, servidores comissionados envolvidos na investigação.
Entre os contratos investigados pela Operação Fames-19, destaca-se a atuação de Diego Oliveira Coimbra, apontado como um dos supostos laranjas no esquema. Segundo as investigações, Diego movimentou R$12 milhões em contratos de cestas básicas com o governo, mas levava uma vida simples, deslocando-se de moto até em dias de chuva. A Polícia Federal acredita que ele emprestou seu nome para Welber Guedes, considerado o verdadeiro beneficiário do esquema.
As empresas ligadas a Welber Guedes são acusadas de fraudar a entrega de alimentos essenciais, como arroz, óleo de soja, café e frango. Essas irregularidades teriam causado um prejuízo superior a R$1,8 milhão aos cofres públicos apenas em produtos não entregues. Além disso, o esquema utilizava um mercado como fachada para lavagem de dinheiro, incluindo práticas suspeitas como a venda de carne bovina Angus, de alto valor, reclassificada como cortes comuns ou transformada em linguiça, para disfarçar as operações financeiras ilícitas.
A investigação da Polícia Federal também identificou transações financeiras suspeitas envolvendo o empresário Welber Guedes, apontado como operador principal do esquema, e figuras públicas do Tocantins. Entre elas, destaca-se um depósito de R$5 mil realizado por Welber em favor do governador Wanderlei Barbosa, em novembro de 2020, e transferências para seus filhos. No total, Welber teria movimentado mais de R$10,6 milhões por meio de 249 transações, valores que seriam oriundos das empresas contratadas para o fornecimento de cestas básicas. Os depósitos também foram feitos para os filhos de Wanderlei.
Além disso, o ex-secretário da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), Tiago da Silva Costa, responsável pela contratação de empresas envolvidas, foi citado por realizar transferências financeiras para o empresário Joseph Madeira, que mantém contratos renovados com o governo estadual e a Assembleia Legislativa. Essas movimentações aprofundam as suspeitas sobre as ligações entre os investigados e o esquema de desvio de recursos.
O que disseram os investigados:
Na época das investigações, diversos envolvidos mencionados na lista da Operação Fames-19 emitiram notas públicas sobre o caso. Seguem abaixo as declarações fornecidas por eles:
Nota do Governo do Tocantins
“O Governo do Estado Tocantins informa que colabora com a Polícia Federal no cumprimento dos mandados de busca e apreensão realizados na manhã desta quarta-feira, 21 (no mês de agosto), referente à Operação Fames-19, que investiga supostos desvios na compra de cestas básicas nos anos de 2020 a 2021. É do interesse do Governo do Estado que tais fatos sejam devidamente esclarecidos.”
Nota do Governador Wanderlei Barbosa
Recebi com surpresa, porém com tranquilidade, a operação ocorrida nesta manhã de quarta-feira, sobretudo porque na época dos fatos era vice-governador e não era ordenador de nenhuma despesa relacionada ao programa de cestas básicas no período da pandemia. Como todos já sabem, a única alusão ao meu nome em toda essa investigação foi a participação num grupo de consórcio informal de R$5 mil com outras 11 pessoas, no qual uma delas era investigada. Ressalto que desejo uma apuração célere e imparcial dos fatos, pois estou confiante na minha inocência e na Justiça, estando sempre à disposição para colaborar com as investigações.
Nota da primeira-dama Karynne Sotero
A Primeira-Dama e secretária extraordinária de Participações Sociais Karynne Sotero recebeu com espanto e perplexidade a notícia de que é alvo de busca e apreensão uma vez que não faz parte do processo investigatório e sequer é citada.
Esclarece ainda que não era sequer primeira-dama do estado à época dos fatos investigados. Ressalta que está tranquila em relação ao desenrolar da investigação e confiante na Justiça.
Nota do Sebrae Tocantins
O Sebrae Tocantins esclarece que não está medindo esforços com intuito de apresentar todas as informações de forma transparente a respeito da Operação Fames-19. Importante destacar que no período investigado o atual superintendente, Rérison Antônio Castro, não fazia parte do corpo técnico do Sebrae.
Nota de Rérison Castro
Recebi com absoluto espanto a notícia que esta manhã fui alvo de um mandado de busca e apreensão em relação ao suposto desvio de cestas básicas. Na época eu era presidente da Agência Estadual de Metrologia e nunca tive qualquer relação com aquisição, licitação ou distribuição de cestas básicas. Assim como meu pai, o governador Wanderlei Barbosa, a minha única relação como qualquer pessoa citada neste processo é um consórcio informal de R$5.000,00 e que absolutamente nada tem a ver com o caso investigado. Sigo à disposição da Justiça e das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o assunto e permaneço confiante que a verdade virá à tona.
Nota do deputado Léo Barbosa
Sobre a operação da Polícia Federal desta quarta-feira, 21, informo que prestei todos os esclarecimentos necessários e sigo colaborando com as investigações. Nunca imaginei que uma modalidade de consórcio informal de R$5.000,00, do qual eu fazia parte com outras 11 pessoas, poderia gerar tamanho transtorno e embaraço jurídico. Já forneci à Justiça todos os elementos que demonstram a minha inocência. Tenho certeza que no transcorrer do processo isso ficará provado. Sigo confiante na Justiça e nas instituições democráticas e desempenhando normalmente o meu trabalho como deputado estadual mais votado do Tocantins.
Os nomes investigados
Ao todo, 42 pessoas, incluindo o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, seus dois filhos, o deputado Léo Barbosa e o presidente do Sebrae Tocantins, Rérison Andrade, além da primeira-dama, Karynne Sotero, estão sendo investigadas em um suposto esquema de desvio de recursos na compra de cestas básicas durante a pandemia da covid-19.
A Operação “Fames-19”, conduzida pela Polícia Federal, está cumprindo mandados de busca e apreensão nos endereços de políticos e empresários, autorizados pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Mauro Campbell Marques. Confira a lista completa dos investigados que consta na decisão do STJ:
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